O ideal seria que nós nem mais tivéssemos celulares e computadores para usar. Outros instrumentos elétricos sim; luz, geladeira, secadora, ventilador, tudo isso seria mantido, com televisão, rádio e consoles deixados de lado, como motivo de discussão futura. O mal maior é a internet, sua proliferação, a nova dependência dela e os diversos males que ela vêm causado. Quanto mais essa dependência à ela for aumentando, mais dificil o combate contra será. Vai se aperfeiçoando tanto -- e inclusive já chegou a este ponto -- que o único possível argumento contra ela passa a ser o moral. Como a moralidade hoje é fraca, poucos são os que sequer enxergam desta maneira, e, dentre os que conseguem, os supostos benefícios de uma vida conectada em muitos superam as repercussões imaterias de não cumprir com os seus princípios; ainda porque a própria internet, com os seus divertimentos, serve de ferramenta para nós esquecermos do que nos aflige. Assim, para simplesmente escapar de seu domínio, torna-se necessário um grande caráter e uma grande força de vontade -- que são raros hoje em dia, como já antes dito. Porque nada da internet é vital. Sim, há aqueles que dela tiram o seu proveito, diretamente ou através das coisas que a internet propiciou. Mas foram ocupações que surgiram da oportunidade. Assim como, se a indústria automotiva desaparecesse, milhões de empregos com ela iriam juntos, mas só os que dela dependiam por inteiro. Enquanto que um supervisor de linha de montagem cairia fora, o fabricante de aço que antes produzia carrocerias ainda teria o aço para vender e moldar. Então, já sem a internet, o emprego de um programador de sites desapareceria, mas o taxista que só usava dela para ajudar na busca de clientes ainda teria como trabalhar. Seria ruim? Sim, seria, ainda mais para aquele programador cuja fonte de renda já não existe mais -- o que, diga-se de passagem, a internet já fez com muitos outros empregos. Agora você, lendo isto, pode querer perguntar-me:"Se você é a favor deste retrocesso, então não faria objeção alguma caso se em sua casa fôssemos, com alicates e martelos, e tirássemos tudo o que é tecnológico de lá, não?". Mas considere isto: A internet comercial, que não a de uso nao acadêmico e militar, surgiu bem no fim da década de oitenta, e começou a deslanchar no meio da década de noventa. Em trinta anos alcançou tamanha projeção, tamanho avanço, e tamanha dependência por parte dos usuários de uma maneira nunca antes vista. Aliás, chamar os internautas de 'usuários' já não é mais correto. Um usuário implica consentimento e interesse voluntário em fazer parte de algo; e assim era com a internet nos primórdios, ainda mesmo a comercial; era tida como um hobby, e seus componentes necessários -- os computadores -- não se encontravam com facilidade. Era algo que exigia do usuário, do igressante, verdadeiro interesse e também conhecimento de nicho. As interfaces não eram feitas com acessibilidade em mente, e sim para aqueles que realmente sabiam o que estava fazendo, os entusiastas pioneiros. A demanda crescente é o que fez que qualquer iletrado em computação -- como eu -- pudesse desfrutar do que a internet tem a oferecer. Mas de volta ao ponto. Esta expansão prodigiosa, que tomou o mundo inteiro em apenas três décadas, demoliu por completo essa noção de usuário. Agora, não se precisa mais do interesse para acessar a internet; pelo contrário, somos nela forçadamente inseridos, já desde cedo, porque englobou tanto e tão bem elementos ordinários do dia a dia que a separação já se faz inviável, e nela somos iniciados não por gosto, mas por dever. Quando antigamente se ensinaria uma porção de coisas, conforme a necessidade fosse surgindo, hoje ensina-se o uso da internet, que substitui toda uma gama de habilidades específicas, já que nela encontramos guias e respostas para todas essas perguntas que antes não eram facilmente respondidas. Devemos tomar cuidado com todo o tipo de coisa que que surge e que, em pouco tempo, passa a ter ingresso obrigatório, seja por decreto ou por costume. Quando algo tão enorme assim surge, e a tudo se interliga e a tudo engloba, por mais que haja nele qualquer ponto positivo, devemos antever nele seus possíveis fins malignos. Se o mero ato de expressar desejo de fugir desse meio supostamente optativo é tido com hostilidade ou chacota por aqueles que o usam, desconfie.